Brasileiro Bisneto de Português tem Direito à Cidadania Portuguesa?

1. Introdução

Essa tem sido uma consulta muito recorrente devido a informações que as pessoas leem em redes sociais; a experiência mostra que, não raro, a internet é uma fonte de desinformação e desilusão. Muitos sites focados em prestação de serviços de “cidadania portuguesa” acabam, infelizmente, distorcendo notícias para atrair consumidores que se engolfam, inocentemente, em uma aventura jurídica fadada ao insucesso.

O objetivo desse post é elucidar o tema com clareza, de modo a trazer aos interessados a verdade à luz do direito português, ainda que tal verdade não seja exatamente uma boa notícia.

Para o melhor entendimento, ainda que em termos simples, convém uma exposição um pouco mais detalhada sobre o tema “nacionalidade”.

2. Nacionalidade e Cidadania

Nada obstante não exista distinção no direito português, nacionalidade evoca a vínculo do sujeito com o Estado, ao passo que cidadania descreve o conjunto dos direitos e deveres resultantes daquele vínculo. Portanto, são conceitos distintos.

3. Nacionalidade e direitos humanos

Relevante dizer que, nos dias que correm, a relação de um indivíduo com o Estado através do vínculo de nacionalidade tem importância transcendental, haja vista ser considerado um direito humano, a teor do artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, do que resulta que todos têm o direito de estar sob a proteção de um Estado e, igualmente, assumir deveres perante o seu país e seus pares também.

Logo a cidadania decorrente da nacionalidade é comutativa.

4. Jus Soli e Jus Sanguinis: A virtualidade da nacionalidade

Jus Soli e Jus Sanguinis são conceitos jurídicos que se prendem à virtualidade da nacionalidade, ou seja, à extensão da nacionalidade às situações que, como regra, não gerariam a nacionalidade de uma pessoa a um Estado, de modo que são conceitos variáveis nas legislações do Estado e que visam a solucionar um “conflito de nacionalidade no lugar” onde alguém nasce em função “de quem ela nasceu”.

A nacionalidade jus soli (concepção cívica da nacionalidade) considera onde a pessoa nasce, enquanto a nacionalidade jus sanguinis (concepção étnica) considera “de quem a pessoa nasce” (laços sanguíneos).

Quem nasceu em Portugal (soli) e é filho de pai ou mãe (ou ambos) português tem uma nacionalidade jus sanguis + jus soli. Não há controvérsias. Mas, e quem nasceu no Brasil de genitor (a) português (a)? E quem nasceu em Portugal de genitor (a) brasileiro (a)? Observe: Onde a pessoa nasce não coincide com onde os genitores nasceram. É justamente para responder legalmente a essas questões que o direito de cada Estado usa regras de critérios jus soli e jus sanguinis.

5. Valoração do jus soli e jus sanguinis de acordo com a política do governo

Eventualmente, podemos dizer que o jus soli nacionalidade (é territorial) a quem nasce em um país diferente de onde nasceram seus pais, e o jus sanguinis leva a nacionalidade (é extraterritorial) a quem nasce em um pais diferente de onde seus pais nasceram, de modo que quanto mais generoso o jus soli, mais ele permite a permanência de “estrangeiros”, enquanto quanto mais favorável o jus sanguinis, mais ele permite a chegada de “estrangeiros”. Aqui, a palavra “estrangeiro” é concebido com um sentido bem específico, designando “quem não nasceu no mesmo país em que nasceram seus pais”, grosso modo.

O passado político-econômico de um Estado é fator determinante em como sua legislação valoriza ou desvaloriza o jus soli e o jus sanguinis. Vejamos. Após a Segunda Guerra Mundial (1945), o Reino Unido se abriu à imigração, principalmente, de nacionais de países de seu extinto império, tais como Bangladesh e Paquistão. Hoje, imigrante no Reino Unido é uma preocupação governamental da maior grandeza, de modo que, na realidade, filhos e netos daqueles imigrantes não são mais tão bem-vindos no Reino Unido. Por isso, nada obstante uma pessoa seja nascida no Reino Unido, se os seus pais não são nascidos lá, essa pessoa está sujeita à deportação, por exemplo, se cometer um crime grave.

Explica-se, assim, curiosa recente notícia de um homem de 32 anos que recebeu uma ordem de deportação do território britânico[1], onde nasceu e esteve por toda a vida, por ter sido condenado em crime de tráfico de entorpecente. A expulsão para Portugal, donde vieram seus pais há mais de 30 anos, foi impedida por uma decisão judicial que salvou Dmitry Lima de ser expulso para um país cuja língua não sabia, onde jamais estivera, nada conhecia e nem qualquer vínculo possuía!

Tudo isso porque, atualmente, o governo da Grã-Bretanha pouco valor atribuí ao jus soli (nascer na Grã-Bretanha de pessoas não nascidas na Grã-Bretanha) como critério da nacionalidade em função de sua política imigratória altamente refratária que, aliás, foi preponderante na sua decisão de se retirar da Comunidade Europeia.

6. Lei da Nacionalidade Portuguesa: Lei nº 37, de 3/10/1981

Em Abril de 2024, a Lei da Nacionalidade Portuguesa (LNP) passou por sua nona modificação[2]; essa inconstância na LNP reflete, na atualidade, um fator histórico e um contexto político estranhos à realidade brasileira, cuja lei de nacionalidade é mais estável; Portugal foi um país colonizador, de modo que tem de lidar com sua diáspora e com seus colonizados, e seu governo está sujeito a uma círculo de política imigratória maior, a União Europeia.

As mudanças são progressistas, no sentido de que elas têm transformado a legislação da nacionalidade portuguesa mais amistosa àqueles que têm sua situação de nacionalidade jus soli ou jus sanguinis.

7. Nacionalidade Portuguesa por Atribuição

O direito da nacionalidade português admite a nacionalidade por aquisição ou por atribuição (resulta da força da lei) sendo aquela, nos termos do disposto na Lei da Nacionalidade (Lei nº 37, de 3/10/1981), na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica nº 2, de 17/04/2006, resultante de um desses três eventos: a) Declaração de vontade; b) Adoção plena e c) Naturalização.

O bisneto de Português que nasceu no Brasil e deseja a nacionalidade portuguesa supõe ter direito àquela nacionalidade em razão do jus sanguinis (concepção étnica), vale dizer, de ter “sangue português”, ou seja, por causa de seus laços sanguíneos com seu bisavô (ó), paternal ou maternal (ou ambos). Então, tratar-se-ia da nacionalidade atributiva, decorrente da lei, com efeitos ex tunc, ou seja, retroagem ao nascimento, é como se a pessoa fosse portuguesa desde o nascimento!

Sucede que, analisando a LNP, a lei prevê a nacionalidade jus sanguinis limitada ao segundo grau de descendência na linha reta:

Artigo 1º

1 – São portugueses de origem:

(…)

d) Os indivíduos com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa originária do 2.º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses e possuírem laços de efetiva ligação à comunidade nacional;

Logo, não existe a possibilidade de um bisneto de português obter a nacionalidade originária ou por atribuição, justamente, porque a lei não a prevê.

O motivo da confusão, ou da má-fé na divulgação da informação, é um julgamento recente do Supremo Tribunal Administrativo[3] de Portugal, o qual reconheceu a nacionalidade por atribuição a um pretendente brasileiro que era bisneto de um português (nascido em Portugal de pais portugueses); todavia, o fato é que o avô daquele cidadão brasileiro, que também era cidadão brasileiro, tornou-se nacional português de acordo com o art. 1º, inc. 1, alínea d, da LNP.

Logo, na realidade legal, como ficou expresso no acórdão, o cidadão brasileiro não era “bisneto” de português, mas “neto” de português, à medida que seu avô, ao se tornar português por atribuição legal, tornou-se um português de origem, com efeitos ex tunc, isto é, desde o seu nascimento e, consequentemente, os filhos dele se transformaram em filhos de português e, por consequência, os netos viraram netos de português.

Mas, deixamos por último a boa notícia. Se o cidadão brasileiro deseja ter nacionalidade portuguesa, existe o caminho da naturalização! Atualmente, não há mais a perda da nacionalidade brasileira pela aquisição de outra nacionalidade, como acontecia antes da aprovação da PEC 16/2021, que alterou o artigo 12 da Constituição Federal.


[1] The Guardian.

[2] A Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, a Lei da Nacionalidade de Portugal (LNP) recebeu oito alterações de leis orgânicas em 2004, 2006, 2013, duas em 2015, 2018, 2020 e, recentemente, Abril de 2024. Em 1994, recebeu alteração de uma lei. Em geral, o Decreto-Lei nº 194/2003 é contabilizada como uma alteração à Lei de Nacionalidade; contudo, não pode ser considerado aquele ato normativo como alterador da nacionalidade, porque incide apenas em aspectos administrativos do REGULAMENTO EMULAMENTAR DOS REGISTOS E NOTARIADO. Portanto, a LNP recebeu nove, e não dez alterações como é difundido.

[3] STA. Acórdão de 18/11/2021, Proc. 01831/140.BELSB

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