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Principais Conclusões
- Apesar do avanço da IA, consultas jurídicas ainda exigem a orientação de especialistas em direito internacional privado.
- Testes com IAs revelaram que elas podem diagnosticar problemas contratuais, mas falham em oferecer soluções que mantenham a viabilidade do negócio.
- Alterações econômicas nas cláusulas ajustadas complicam o contrato, exigindo novas rodadas negociais entre o vendedor e o comprador.
- Uma abordagem mais eficaz para mitigar riscos contratuais precisa evitar alterações que aumentem os custos ou complicações formais.
- A solução proposta foi customizar o FOB, garantindo a manutenção do contrato sem riscos adicionais para o vendedor (seller).
- A análise jurídica de risco de um contrato precisa respeitar suas cláusulas econômicas
Apesar de ser fã da IA, se eu fosse um analista de comércio exterior de uma trading, ou mesmo de um produtor exportador, engajado em um negócio transfronteiriço que envolve milhares de dólares, eu não dispensaria a orientação técnica de um especialista humano de direito internacional privado, acreditando que minha habilidade em usar os recursos da IA é suficiente.
A consulta jurídica, como em uma consulta médica, requer uma medicação (jurídica ou química) que o profissional especialista receitará. Pois bem. Fiz um teste com duas das melhores IAs questionando a seguinte consulta concreta, a qual recebi de uma cooperativa agrícola em 2023:
“Can a seller legally structure an international sale contract with D/P (payment clause) together with FOB Incoterms, having 30% upfront plus 70% balance? Are there risks? If so, to what extent and appoint a remedy”
Essencialmente, na “anamnese”, ambas as IAs fizeram um “diagnóstico” correto de que o contrato de exportação está “infectado” e traz sérios riscos para o seller corretamente. Porém, ao indicarem a solução para o problema, ambas se atrapalharam. Não que elas tenham feito “receitas” de correção “erradas”, mas, como a IA ainda não venceu o obstáculo da binaridade, elas não foram capazes de remediar o contrato sem acabar com ele…
Diante da doença, é necessário prescrever um antibiótico que cure o contrato da infecção do risco, mas que mantenha o negócio em pé, vivo. Ilustrando: Não é bom médico aquele que prescreve o antibiótico que extirpa a bactéria, mas que mata o doente infectado. Foi o que fizeram as duas AIs. Fizeram sugestões que alteraram as cláusulas econômicas do contrato, por exemplo, sugerindo a alteração do Incoterm e exigindo do buyer uma L/C.
Ora, uma L/C encarece barbaridade um negócio de exportação, cria camadas de formalidades pela intervenção bancária e, por fim, na hora do pagamento, o feitiço vira contra o feiticeiro: O banco recusa pagar o seller por qualquer “i sem pingo”.
Uma consulta de direito internacional privado direcionada ao comércio exterior sobre um contrato de venda que está “negociado” – quanto ao “preço” e, consequentemente, ao “Incoterm eleito” – deve ser produzida sem alterar as CLÁUSULAS ECONÔMICAS do contrato porque, senão, estará oferecendo uma solução de redução de risco que altera a economia acordada no contrato. Ou seja, seller e buyer teriam que reiniciar o processo de negociação de preço. Como ilustrado: Dar a alternativa de solução de risco mudando os termos econômicos do contrato é como dar o remédio que mata a doença e também o doente.
Ademais, ambas as inteligências artificiais se manifestaram sobre a questão com total abstração de um outro contrato conexo ao de venda internacional FOB, o qual produz seríssima influência sobre a questão em consulta: o contrato de transporte marítimo que será usado pelo comprador (buyer) no FOB. No caso da consulta concreta, o contrato de transporte marítimo era o padronizado pela BIMCO, instituição dinamarquesa centenária, gigantesca.
A solução que, na ocasião, apresentei (e foi aceita pela cooperativa brasileira exportadora de grãos) foi de customizar o FOB, de modo a manter a característica original do negócio, não adicionando custos, mas criando obrigações para o buyer na sua relação com o transportador marítimo que ele contrataria, de modo a assegurar o recebimento dos 70% do preço sem risco de que a mercadoria fosse negociada com terceiros e o preço jamais pago.
O Grok apresentou uma resposta de mitigação de riscos muito mais profunda e abrangente que a resposta do Gemini; contudo, as soluções de mitigação de riscos para o vendedor apontadas pelo Grok acarretam interferência comercial no negócio, por exemplo, a substituição do pagamento D/P pela L/C, sem considerar que esse método de pagamento é muitíssimo caro, formal e produz intercorrências que atrasam o pagamento, virando um transtorno para o seller.

