Penhora sobre os direitos reais derivados e penhora sobre a propriedade fiduciária. A Responsabilidade por Omissão Bancária.
Introdução
Por que os bancos não mais se opõem à penhora sobre a propriedade fiduciária, situação tão comum em execuções condominiais?
A resposta é que os bancos, empiricamente, notaram que a situação é vantajosa para eles. Senão vejamos.
Os julgamentos dos Tribunais brasileiros, torrencialmente, preconizam que é ilegal a penhora sobre a propriedade fiduciária, ou seja, sobre a propriedade de um imóvel que está sendo adquirida mediante financiamento bancário com a garantia da alienação fiduciária em garantia.
A razão jurisprudencial é simples. Por mais que seja volátil a obrigação “propter rem” da dívida condominial, a propriedade pertence ao banco, o qual não faz parte da relação processual. Por isso, a penhora deve ser orientada sobre os direitos reais de aquisição derivados do contrato de alienação fiduciária em garantia.
Na prática, tanto a penhora sobre a propriedade fiduciária quanto sobre os direitos reais de aquisição que a gravam acarretam o leilão judicial da propriedade.
Logo, aparentemente, daria no mesmo resultado a penhora sobre os direitos de aquisição do devedor fiduciante ou sobre a propriedade resolúvel do credor fiduciário.
Porém, o resultado não é o mesmo.
Valor econômico do bem
Um dos requisitos legais do edital de excussão pública de um bem é que ele informe “valor econômico do bem” a ser leiloado.
A penhora sobre os direitos de aquisição e a penhora sobre a propriedade resolúvel do banco fiduciário apresentam uma diferença no “valor econômico do bem” a ser leiloado e, ainda, reflexos sobre o valor mínimo de arrematação a partir da segunda praça!
Aquela diferença é pivotal para os direitos do devedor executado. Vejamos.
Exemplificação
Imagine-se que um imóvel financiado vale R$ 500.000,00 e sua propriedae foi penhorada para pagar uma execução condominial de R$ 80.000,00, sendo que o condômino (executado) já pagou 75% do financiamento, ou seja, R$ 375.000,00.
Intimado o banco financiador do imóvel, essa entidade não assume a posição de assistente do devedor e, simplesmente, alega que é contrário à penhora.
O banco ainda é credor de R$ 125.000,00 do financiamento e deixa correr a execução contra a sua propriedade.
Quando o imóvel é levado à hasta pública, o valor econômico do bem corresponde ao valor do imóvel R$ 500.000,00.
Se tivesse recaído a penhora sobre os direitos reais do devedor, nesse mesmo exemplo, o valor econômico do bem seria R$ 375.000,00 (valor do imóvel/R$ 500.000,00 subtraindo-se o valor da dívida financiada atual/R$ 125.000,00).
É sabido que, durante o leilão, a partir da segunda praça, é admitida a arrematação por até 50% do valor econômico do bem.
Então, no caso da penhora sobre a propriedade fiduciária, o imóvel de R$ 500.000,00 pode ser adquirido por uma arrematação equivalente a R$ 250.000,00.
Desse valor, que é depositado nos autos, separam-se R$ 80.000,00 para o condomínio exequente, sobrando 170.000,00.
Ato contínuo, o banco leva R$ 125.000,00 (que era o seu saldo credor).
O condômino devedor, que acabou de perdeu seu lar, recebe R$ 45.000,00.
É justo?
O banco, que era para receber R$ 125.000,00 ao longo ainda de alguns anos, recebe o dinheiro à vista, sem nenhum custo que uma execução extrajudicial lhe traria de acordo com a Lei nº 14.711/2023.
Mas, e o restante do dinheiro que o condômino devedor já tinha pago?
Dos R$ 375.000,00, recebeu apenas R$ 45.000,00? E os demais R$ 330.000,00?
Literalmente, foram para as calendas gregas!
Notem o “bem bolado”: O condomínio recebe seu crédito, o banco recebe seu crédito, o arrematante compra um imóvel baratinho…
É duvidoso que o devedor fiduciante tenha legitimidade ativa para se opor à penhora da propriedade fiduciária que, por seu turno, não é impugnada pelo credor fiduciário.
A situação exemplificada ocorre amiúde com financiamentos da Caixa Econômica Federal que, simplesmente, “aparecendo” na execução como “terceira interessada”, sequer proporciona o deslocamento da execução da Justiça Estadual para a Federal!
Quando o edital é sobre a venda forçada dos direitos de aquisição, sendo o valor dos direitos de aquisição, ainda no caso exemplificado, equivalente a R$ 375.000,00, consequentemente, a arrematação NÃO PODE SER EM VALOR INFERIOR a R$ 375.000,00 porque esse é o valor econômico do bem penhorado, ou seja, o direito real de aquisição.
Resultado da Diferença
O resultado da liquidação do valor da arrematação é que o devedor receberá R$ 175.000,00, e não apenas R$ 45.000,00.
Solução: Obrigação de Defesa da Propriedade Resolúvel
Quando o banco assume uma posição passiva, permitindo, sem resistência, a penhora e liquidação da propriedade fiduciária, o banco incorre em infração à obrigação de defesa da propriedade resolúvel, a qual é ínsita à própria natureza fiduciária do contrato, o qual envolve a confiança do devedor fiduciante no credor fiduciário (e vice-versa).
Vale dizer, omitir-se o banco diante da penhora é trair a confiança do devedor.
Observe que nenhum proprietário tem a obrigação de defender a sua propriedade, já que se trata de direito disponível dele.
O proprietário pode, inclusive, abandonar a propriedade, o que não é ilícito. Todavia, no caso em comento, a propriedade fiduciária bancária não é plena ou pura, mas é uma propriedade resolúvel. Portanto, cuida-se de uma “propriedade onerosa”, de modo que não é um direito sobre o qual possa o banco exercer o “ius abutendi”.
A resolubilidade resulta, exatamente, da existência de uma condição que, se implementada, desfaz a resolução da propriedade em favor do devedor.
Ora, em face da penhora da propriedade, frustra-se aquele direito futuro do devedor fiduciante.
Na minha perspectiva, caberá uma ação declaratória cumulada com pedido condenatório contra o banco, a qual envolverá a recuperação do montante pago, mais danos morais resultantes da própria declaratória.
Conclusão
Quanto mais antigo o financiamento, mais drástica a situação do devedor fiduciante executado pelo condomínio.
Por isso, quando penhorada a propriedade fiduciária resolúvel pelo condomínio, como no caso ilustrado, onde se verifica a omissão bancária, o devedor fiduciante executado dispõe de ação própria autônoma para evitar essa verdadeira subtração financeira que lhe custará a execução condominial.