| English Version |
Tempo estimado de leitura: 7 minutos
Resumo
- Em 10 de dezembro, os EUA apreenderam o petroleiro Skipper durante a operação militar Southern Spear em águas internacionais próximas à Venezuela.
- A apreensão foi controversa, pois ocorreu em águas internacionais, suscitando questões sobre a legalidade da ação dos EUA.
- A alegação dos EUA se baseia na ultraextraterritorialidade do sistema jurídico americano, cujas origens são as medidas de segurança nacional após os ataques de 11 de setembro.
- Evidências indicam que o Skipper falsificava sua posição, caracterizando-o como um navio pirata, caso em que a legislação internacional não exige cooperação para apreensões.
- A revogação da Magnistsky sobre Moraes pode ser um aceno geopolítico dos Estados Unidos ao Brasil, bem a calhar quando Maduro pede o apoio de Lula contra a apreensão do petroleiro
Em horário indefinido de 10 de Dezembro, no contexto da operação militar Southern Spear (Lança do Sul), os Estados Unidos apreenderam um VLCC (very large crude carrier – navio petroleiro muito grande). O incidente ocorreu em águas internacionais caribenhas, próximo à costa da Venezuela. O navio apreendido é um petroleiro chamado Skipper (com registro IMO 9304667).
Não é a primeira vez que os Estados Unidos usam de sua força militar para, em alto mar, proceder à apreensão/arresto/sequestro de navios ou de sua carga.
A apreensão/arresto/sequestro de um navio em alto mar configura uma típica conduta de interesse de Justiça Internacional.
Foi noticiado que o “Governo Maduro apela a Lula e aos presidentes da Colômbia e México para união contra ‘ameaças’ de Trump”.
Tradicionalmente, o Brasil tem sido um país “neutro” nos conflitos internacionais, o que é uma postura bem prudente. Porém, a importância geopolítica do Brasil na América do Sul pode requerer que o Governo tenha alguma posição, ainda que preliminar, sobre o fato específico da apreensão do Skipper.
No caso do Skipper, o fundamento da apreensão do petroleiro pelo Governo dos Estados Unidos não é de direito internacional, mas de cumprimento de decisões judiciais norte-americanas, portanto, de direito doméstico extraterritorial.
“Em termos simples, extraterritorialidade é o poder que um Estado atribui a si mesmo, de modo que sua soberania, através de suas leis e ordens administrativas ou judiciais, seja exercida fora dos seus limites territoriais”.
Se o Skipper tivesse sido apreendido pelas autoridades americanas em suas próprias águas territoriais, isto é, em sua exclusive economic zone (EEZ)/zona econômica exclusiva (artigo 73 da UNCLOS/Lei do Mar), não haveria surpresa nem tanta especulação; porém, como a apreensão ocorreu em águas internacionais, o ato tem gerado muita discussão.
Pode um Estado conferir a si mesmo poder de agir soberanamente em águas territoriais sobre embarcações que ali navegam?
De acordo com a Lei do Mar – UN Convention on the Law of the Sea, a princípio, a resposta é não. A apreensão dependeria de cooperação jurídica internacional, ou seja, o país sob cuja bandeira navega a embarcação teria que concordar com a apreensão. Todavia, o artigo 105 da Lei do Mar traz a exceção do“apresamento” de navio “pirata”:

Nota-se que os Estados Unidos não são signatários daquela Convenção; consequentemente, não poderiam alegar o artigo 105 a seu favor. Todavia, os Estados Unidos consideram, em grande parte, a Lei do Mar como uma norma de direito marítimo costumeiro e, portanto, consideram-se parcialmente obrigados a cumprir seus preceitos.
Existem evidências de que o Skipper é mesmo pirata? Sim. Existem registros de que aquele navio tem falsificado sua posição através de mecanismos fraudulentos, pelos quais o petroleiro é indicado estar em um lugar, por exemplo, na China, quando, na verdade, estava no Caribe.
Nenhuma embarcação de boa-fé frauda sua posição no mar, colocando em risco a navegação marítima.
Essa informação não foi obtida de fontes norte-americanas ou de entidades “interessadas na apreensão” do petroleiro, mas obtida de uma entidade imparcial e situada em Londres, a Pole Star Global. Eis o que a Pole Star Global publicou sobre o Skipper:
A análise dos movimentos do SKIPPER de novembro de 2024 a novembro de 2025 revelou um navio operando muito fora dos limites do comércio legítimo. A revisão retrospectiva documentou várias técnicas de evasão empregadas em três continentes.
As evidências quantitativas foram impressionantes:
Uma decepção geográfica de 1.200 milhas náuticas — transmitindo uma posição em frente à Guiana enquanto carregava fisicamente em um terminal venezuelano. 200 dias sem transmissões de AIS — mais da metade do período de observação. Seis períodos “escuros” separados, o mais longo durando 83 dias. Seis operações de carga em alto-mar com variações de calado de 9 a 10 metros — longe de qualquer infraestrutura portuária.
Semelhantes informações se encontram também na Marine Traffic Report e na Lloyd´s List Coverage.
Assim, a apreensão do Skipper sob a legislação de direito internacional público está correta, haja vista que, até agora, o proprietário do petroleiro apreendido não se apresentou publicamente, nem foi a embarcação defendida pelo Governo de qualquer país.
A alegação jurídica de direito extraterritorial dos Estados Unidos é que o Skipper, que se chamava, Adisa, foi objeto de um processo administrativo federal perante a OFAC – Office of Foreign Assets Control, agência que “controla ativos estrangeiros”.
Esse “controle sobre ativos estrangeiros” deve ser traduzido, ou entendido, como o amplo poder que os Estados Unidos atribuem, extraterritorialmente, às suas leis e às suas autoridades administrativas e judiciais sobre pessoas, empresas e transações que, onde quer que elas estejam ou qualquer que seja a nacionalidade delas, façam uso do dólar em seus negócios e, portanto, passem suas transações pelo sistema financeiro dos Estados Unidos.
Essa complexa ultraextraterritorialidade estadunidense é fundada no princípio U.S. Nexus, ou seja, o princípio do “Nexo com os Estados Unidos”, que não tem fundamento em lei, mas em uma “política geral” de compliance dos Estados Unidos, uma espécie moderna de imperialismo, nada obstante justificado pela necessidade de legítima defesa dos Estados Unidos em face de ataques terroristas.
No caso específico do Skipper, o petroleiro foi enquadrado em 2022 no Decreto Presidencial nº 13.224 (Executive Order 13224), editado pelo então Presidente J. W. Bush em 23 de setembro de 2001. Ou seja, o U.S. Nexus, na extensão em que foi aplicado ao Skipper, é um desdobramento da reação norte-americana ao ataque às Torres Gêmeas (World Trade Center) em 11 de setembro de 2001.
O petróleo transportado pelo Skipper era venezuelano, o que adiciona uma camada política ao fato, mas não tira a sua natureza jurídica, mesmo em face da apreensão ter sido realizada no contexto da operação militar Southern Spear (Lança do Sul), como um aparente desdobramento dos esforços americanos em desestabilizar o presidente venezuelano Maduro.
É muito interessante assinalar que, a meio dos reflexos geopolíticos da apreensão do Skipper, os Estados Unidos levantaram as restrições da Lei Magnitisky sobre o Ministro Alexandre de Moraes. Essa atitude pode ser interpretada como um ato de reconhecimento do Governo americano de que, erradamente, fez uso político intervencionista de seu poder jurídico extraterritorial e, agora, como um ato de boa vontade política, volta atrás para que, na ótica do Brasil, não sejam feitas comparações entre as restrições da Lei Magnitisky, então indevidamente aplicadas a Alexandre de Moraes, e a justificada apreensão do Skipper.

