Justiça Internacional e Processos: O Papel da Advocacia Especializada

“A advocacia de justiça internacional é uma especialidade processualística internacional”

Esse é o conceito mais objetivo da atuação da advocacia em justiça internacional.

A extensão do Direito Internacional, sua complexidade, especialidade e multifacetariedade demandam um conhecimento especial da atuação resolutória de disputas no âmbito das disputas intergovernamentais (Estado-Estado), pois não existe, internacionalmente, ao contrário do que se verifica nas estruturas internas dos Estados, uma “organização judiciária” ou um “sistema legal hierarquizado”, mas sim uma constelação de órgãos autônomos, relativamente disformes, que seguem regras organizacionais e procedimentais próprias no âmbito público do direito internacional. A negociação (lato sensu) e a resolução das disputas variam conforme a convenção em questão que, por vezes, é sobreposta por outras, já que existem as esferas internacionais regionais e globais. Pode-se dizer que, não raro, são truncadas as normas que governam a solução de disputas Estado-Estado.

No plano dos conflitos transnacionais que afetam os interesses particulares, a superposição do direito internacional (especialmente o direito internacional privado comercial) ao direito doméstico dos Estados cria verdadeiras zonas cegas do direito, uma área de confusão de competências jurisdicionais dos Estados e das entidades internacionais, a qual exige pesquisas profundas da jurisprudência de muitos países no tema das arbitragens comerciais em geral.

Para além da jurisdição internacional (pública e privada) propriamente dita, a extraterritorialidade das jurisdições dos Estados se entrelaça de tal forma que a obtenção do justo, do direito substantivo, depende do destrinchamento de um nó górdio de regras de direito internacional privado, reclamando uma alta especialização da advocacia de Justiça Internacional.

Exemplo prático, recente e emblemático da problemática do direito internacional privado na sua relação com o direito doméstico dos Estados aconteceu em meados de janeiro de 2025 . Trata-se do rapto de uma criança brasileira, cometido pelo genitor português, Rui Fonseca, em violação à guarda materna da ex-esposa brasileira, Erica Hecksher, que trouxe o filho para visita ao pai em Portugal para as festas de fim de ano. O assunto é tratado no post: “Rapto Internacional de Crianças: O Caso Rui Fonseca e Erica Hecksher”). 

Naquele caso, equivocadamente, a Justiça portuguesa considerou o fato como de direito internacional privado, quando as circunstâncias indicavam um ilícito de direito doméstico português. Em consequência da equivocada concepção do fato-sequestro, mãe e filho amargaram quase dois meses para que houvesse a devolução do menor à mãe, com prejuízos materiais severos e danos morais de difícil reparação. A notícia desse caso pode ser lida em: “Filho do ex-juiz Rui Fonseca já está com a mãe. Regresso ao Brasil marcado para esta sexta-feira.

A consultoria e assessoria do profissional de Justiça Internacional podem ser uma orientação valiosa estrategicamente para tomada de decisão do governo no âmbito de sua Chancelaria: Quando o melhor caminho é a negociação ou a judicialização? E qual deve ser a judicialização?

Por exemplo, em face da sobretarifação imposta pelos Estados Unidos ao Brasil, a “judicialização” (via Organização do Comércio Internacional – OMC) seria um caminho único, inútil e caro, de modo que teria que ser evitado, investindo-se na aproximação diplomática e entre parceiros comerciais. O custo do litígio nas instâncias da OMC gira em torno de $ 500 mil dólares, a tramitação é demorada (uma decisão de primeira instância leva mais de dois anos) e, se houver recurso, o processo entrará em um compasso de espera sine die, já que o órgão de apelação da OMC está inoperante. Ademais, ainda que fosse uma alternativa, a judicialização via OMC tem julgamento limitado a permitir uma retaliação tarifária, o que pode ser feito pelo Estado diretamente, sem autorização adjudicatória do WTO. Logo, a sobretarifação norte-americana sobre o Brasil deve ser resolvida através de negociações diretas entre os Estados.

Outras vezes, situações limítrofes terminam tragicamente quando o Estado não segue uma avenida oposta, isto é, a da imediata judicialização.

Em 2015, Marco Archer Cardoso Moreira e Rodrigo Gularte foram executados na Indonésia por tráfico internacional de entorpecentes, apesar dos intensos esforços diplomáticos, inclusive pessoais da então Presidenta da República. Relembre o caso: Memória Globo. O Presidente indonésio, Joko Widodo, não concedeu clemência aos condenados, o que não poderia fazer, mesmo que, pessoalmente, quisesse, porque estava sujeito a uma forte pressão política interna contra o tráfico internacional de drogas praticado por “turistas”.

Para a salvação daqueles brasileiros da pena de fuzilamento, não havia, realmente, nenhuma alternativa de Justiça Internacional, por exemplo, através da jurisdição geral da Corte Internacional de Justiça, da jurisdição especializada de direitos humanos da Comissão da ONU de Direitos Humanos, porque a Indonésia não aceita a jurisdição da Corte Mundial em caráter geral compulsório, nem faz parte de protocolos adicionais que a vinculam a qualquer jurisdição internacional, por exemplo, o protocolo opcional à Convenção de Viena de 1963 sobre Relações Consulares ou o protocolo opcional à Convenção de Direitos Humanos.

Nada obstante inexistente a via da Justiça Internacional, poderia o Brasil, invocando a proteção consular, ajuizar uma medida judicial, em defesa de seus nacionais, perante as próprias cortes indonésias, alegando infração por parte do governo da Indonésia às suas obrigações decorrentes da Convenção de Viena de 1963, já que se sabe que várias garantias consulares não foram observadas na prisão daqueles brasileiros. Ou seja, o Brasil não deveria se alongar nem no canal diplomático, nem esperar por “clemência”, e sim tentar a via jurídica doméstica da estrutura jurisdicional indonésia.

Note-se que a imunidade dos Estados é com relação às cortes dos demais Estados, e não em face de suas próprias cortes, caso em que o Brasil é que estaria, em tese, renunciando à sua própria soberania para se submeter a uma corte estrangeira como última e extrema medida.

Nessa situação de vida ou morte, além de acender uma vela para Santo Expedito, era o único caminho a trilhar, com o Brasil demandando o governo da Indonésia não com o “status” de uma soberania, mas se sujeitando ao pé de igualdade com qualquer outro cidadão da Indonésia.

Aquela era uma alternativa não ortodoxa, mas de resultados muito mais prováveis do que o acolhimento à clemência, ao menos, para se tentar suspender a execução das penas de morte.

A respeito da questão de um país renunciar à própria soberania para demandar sob as regras judiciais de outro, veja o voto do Ministro Celso de Mello, ao analisar a Reclamação 10920 do Governo do Paraguai.