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Advocacia Internacional, Transnacionalidade e Extraterritorialidade

Na advocacia de Justiça Internacional, um ponto de grande confusão é a diferença entre questões de advocacia internacional, de extraterritorialidade  e de simples transnacionalidade. Embora as três situações jurídicas sejam muito semelhantes, porque elas têm entre si um fator comum, elemento(s) de fato ou de direito relativo a Estados (Soberanias) distintos (as), elas precisam ser distinguidas à medida que, na prática, poderão exigir conhecimentos e até habilitação técnica específica do advogado.

“Advocacia internacional, ou em Justiça Internacional, é aquela cujo processo ocorre sob a jurisdição de um tribunal ou corte internacional, a qual, nada obstante exija alta especialidade técnico-jurídica,  não requer,  legalmente, exercício privativo de advogado em alguns tribunais internacionais, por exemplo, na Corte Internacional de Justiça da ONU”

A resposta mais pragmática, portanto, à dúvida se o seu problema deve ser tratado pelo especialista em Justiça Internacional depende da simples pergunta: Quem julgará essa minha questão? Se a resposta for “um tribunal, corte, juiz, arbitrador, comissário, painel etc.” que “não pertence à organização estatal de nenhum governo”, então, o seu problema é de Justiça Internacional.

Por exemplo, em um contrato de trading, há uma cláusula resolutória instituindo o Tribunal Arbitral da Câmara do Comércio do Brasil (TACC do Brasil) como o competente para resolver disputas emergentes daquele contrato. Note-se que o TACC do Brasil é um organismo adjudicatório que, nada obstante sediado no Brasil, tem natureza não-nacional (ou internacional). Consequentemente, a assessoria relativa a esse contrato é da especialidade da advocacia em Justiça Internacional.

Se aquela simples pergunta – quem julgará essa minha questão? – é suficiente para estremar, de um lado, a advocacia internacional e, do outro lado, a extraterritorialidade e a simples transacionalidade, resta a necessária distinção dessas duas últimas entre si, o que requer um exame daquele já citado fator comum: Elemento(s) de fato ou de direito relativo a Estados (Soberanias) distintos (as).

Elemento(s) de fato ou de direito relativo a Estados (Soberanias) distintos (as) em uma relação jurídica é qualquer aspecto de uma relação jurídica que se liga ao interesse de uma pessoa, instituição, organização ou do próprio Estado na jurisdição de outro Estado. A intensidade daquela ligação, sua extensão e objeto podem suscitar um conflito de jurisdição. A existência do conflito de jurisdição é a linha de distinção entre a transnacionalidade e a extraterritorialidade, o qual ocorre nessa, mas não naquela”.

Verificamos, então, que enquanto a internacionalidade se diferencia de simples transnacionalidade e de extraterritorialidade por uma condição (só há internacionalidade quando a relação jurídica disputada compete à jurisdição supranacional ou fora da jurisdição de qualquer Estado), a distinção entre a simples transnacionalidade e a extraterritorialidade é de grau: A relação jurídica disputada sempre competirá à jurisdição nacional (de um Estado), mas, conforme o nível ou medida do interesse, uma lei definirá o conflito de jurisdição entre os Estados interessados.

Importante, consequentemente, passar em revista situações nas quais existem um ou mais elementos de internacionalidade; porém, se a jurisdição para resolver uma disputa surgida daquelas situações não for de competência de um julgador supra-estatal, o caso pode ser de transnacionalidade ou de extraterritorialidade, mas não de Justiça Internacional.

Por conclusão:

“A internacionalidade, a extraterritorialidade e a transnacionalidade são situações que têm em comum uma relação jurídica em que existe (m) um ou mais elemento (s) de fato ou de direito relativo a Estados (Soberanias) distintos (as); a diferença entre elas reside no fato de que: Na internacionalidade, aqueles elementos determinam o julgamento da disputa emergente da relação jurídica perante uma corte internacional (que não pertence a nenhum Estado); na extraterritorialidade, aqueles elementos determinam o julgamento da disputa emergente da relação jurídica perante uma corte nacional (de um dos Estados ou Soberanias envolvidas interessadas) em decorrência de Leis de Conflito e, finalmente, na transnacionalidade, aqueles elementos determinam o julgamento da disputa emergente da relação jurídica perante uma corte nacional (de um dos Estados ou Soberanias envolvidas) sem aplicação de Leis de Conflito, justamente, porque não existe extraterritorialidade determinante do conflito entre os Estados a ser dirimido”. 

Nas situações 1, 2 e 3 o fator comum é constituído por elementos convergentes de Soberanias diferentes, ou seja, três transnacionalidades: (a) O estudante, sendo do Brasil, tem a permanente proteção consular de seu país natal; (b) o brasileiro está no território francês, o que faz com que sobre sua pessoa recaia o interesse do governo da França e (c) há um filho entre o nacional do Brasil e a nacional da França. Porém, o único caso de Justiça Internacional é o # 2.

 

Situação #1 [caso doméstico]

Potencialmente, a advocacia requerida na solução da situação #1 é de simples transnacionalidade, no caso, de atuação de um profissional jurídico habilitado pela competente barreau, que corresponde à seção regional da OAB, na França denominada Ordre des Avocats. Observamos que as transnacionalidades não retiram a natureza doméstica francesa da relação jurídica descrita na situação 1, de modo que, caso o brasileiro queira se opor à decisão do governo francês, precisará percorrer o circuito processual doméstico francês, de acordo com as leis francesas, a ser julgado por um juiz francês!

 

Situação #2 [caso internacional]

Considerando ser racialmente discriminatória a razão de decidir do governo francês na situação exemplificada, a situação #2 traz um elemento de internacionalidade, o preconceito racial do governo francês, de modo que a disputa em torno do indeferimento de permanência do brasileiro se torna objeto também de competência de um julgador internacional, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Essa competência da jurisdição internacional não exclui a competência doméstica dos tribunais franceses, os quais também podem julgar a legalidade, inclusive sob o prisma dos direitos humanos, do indeferimento do governo francês. Aquela internacionalidade resulta da Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950 e da adesão francesa à Convenção do Conselho da Europa, assinada em Londres em 1949.

 

Situação #3 [caso extraterritorial]

Nessa última situação, surge a questão do brasileiro querer levar consigo para o Brasil a filha nacional francesa. Opondo-se a genitora francesa à pretensão do genitor sul-americano, pode o pai, no Brasil, demandar a guarda? Ou a definição da guarda do infante é de competência jurisdicional apenas da corte doméstica gaulesa? Aplica-se o princípio da competência da residência habitual da criança, mesmo não sendo o Brasil signatário da Convenção de Haia de 1996? Quid iuris? Nota-se que, quanto à legislação do Brasil, o contido no Art. 7o , do Decreto-Lei nº 4.657/42 (com a alteração da Lei nº 12.376/10): “A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”. Mas, por outro lado, a competência do Juge aux Affaires Familiales é estabelecida pelo Direito Comum Francês (ou seja, quando envolve a relação da França com um país que não é Estado membro da União Europeia, caso do Brasil), no Artigo 1.070 do Code de Procédure Civile. Ora, como se verifica, há um conflito de leis, pois tanto o Brasil quanto a França podem ser competência jurisdicional sobre o assunto.

Justiça Internacional e Processos: O Papel da Advocacia Especializada

“A advocacia de justiça internacional é uma especialidade processualística internacional”

Esse é o conceito mais objetivo da atuação da advocacia em justiça internacional.

A extensão do Direito Internacional, sua complexidade, especialidade e multifacetariedade demandam um conhecimento especial da atuação resolutória de disputas no âmbito das disputas intergovernamentais (Estado-Estado), pois não existe, internacionalmente, ao contrário do que se verifica nas estruturas internas dos Estados, uma “organização judiciária” ou um “sistema legal hierarquizado”, mas sim uma constelação de órgãos autônomos, relativamente disformes, que seguem regras organizacionais e procedimentais próprias no âmbito público do direito internacional. A negociação (lato sensu) e a resolução das disputas variam conforme a convenção em questão que, por vezes, é sobreposta por outras, já que existem as esferas internacionais regionais e globais. Pode-se dizer que, não raro, são truncadas as normas que governam a solução de disputas Estado-Estado.

No plano dos conflitos transnacionais que afetam os interesses particulares, a superposição do direito internacional (especialmente o direito internacional privado comercial) ao direito doméstico dos Estados cria verdadeiras zonas cegas do direito, uma área de confusão de competências jurisdicionais dos Estados e das entidades internacionais, a qual exige pesquisas profundas da jurisprudência de muitos países no tema das arbitragens comerciais em geral.

Para além da jurisdição internacional (pública e privada) propriamente dita, a extraterritorialidade das jurisdições dos Estados se entrelaça de tal forma que a obtenção do justo, do direito substantivo, depende do destrinchamento de um nó górdio de regras de direito internacional privado, reclamando uma alta especialização da advocacia de Justiça Internacional.

Exemplo prático, recente e emblemático da problemática do direito internacional privado na sua relação com o direito doméstico dos Estados aconteceu em meados de janeiro de 2025 . Trata-se do rapto de uma criança brasileira, cometido pelo genitor português, Rui Fonseca, em violação à guarda materna da ex-esposa brasileira, Erica Hecksher, que trouxe o filho para visita ao pai em Portugal para as festas de fim de ano. O assunto é tratado no post: “Rapto Internacional de Crianças: O Caso Rui Fonseca e Erica Hecksher”). 

Naquele caso, equivocadamente, a Justiça portuguesa considerou o fato como de direito internacional privado, quando as circunstâncias indicavam um ilícito de direito doméstico português. Em consequência da equivocada concepção do fato-sequestro, mãe e filho amargaram quase dois meses para que houvesse a devolução do menor à mãe, com prejuízos materiais severos e danos morais de difícil reparação. A notícia desse caso pode ser lida em: “Filho do ex-juiz Rui Fonseca já está com a mãe. Regresso ao Brasil marcado para esta sexta-feira.

A consultoria e assessoria do profissional de Justiça Internacional podem ser uma orientação valiosa estrategicamente para tomada de decisão do governo no âmbito de sua Chancelaria: Quando o melhor caminho é a negociação ou a judicialização? E qual deve ser a judicialização?

Por exemplo, em face da sobretarifação imposta pelos Estados Unidos ao Brasil, a “judicialização” (via Organização do Comércio Internacional – OMC) seria um caminho único, inútil e caro, de modo que teria que ser evitado, investindo-se na aproximação diplomática e entre parceiros comerciais. O custo do litígio nas instâncias da OMC gira em torno de $ 500 mil dólares, a tramitação é demorada (uma decisão de primeira instância leva mais de dois anos) e, se houver recurso, o processo entrará em um compasso de espera sine die, já que o órgão de apelação da OMC está inoperante. Ademais, ainda que fosse uma alternativa, a judicialização via OMC tem julgamento limitado a permitir uma retaliação tarifária, o que pode ser feito pelo Estado diretamente, sem autorização adjudicatória do WTO. Logo, a sobretarifação norte-americana sobre o Brasil deve ser resolvida através de negociações diretas entre os Estados.

Outras vezes, situações limítrofes terminam tragicamente quando o Estado não segue uma avenida oposta, isto é, a da imediata judicialização.

Em 2015, Marco Archer Cardoso Moreira e Rodrigo Gularte foram executados na Indonésia por tráfico internacional de entorpecentes, apesar dos intensos esforços diplomáticos, inclusive pessoais da então Presidenta da República. Relembre o caso: Memória Globo. O Presidente indonésio, Joko Widodo, não concedeu clemência aos condenados, o que não poderia fazer, mesmo que, pessoalmente, quisesse, porque estava sujeito a uma forte pressão política interna contra o tráfico internacional de drogas praticado por “turistas”.

Para a salvação daqueles brasileiros da pena de fuzilamento, não havia, realmente, nenhuma alternativa de Justiça Internacional, por exemplo, através da jurisdição geral da Corte Internacional de Justiça, da jurisdição especializada de direitos humanos da Comissão da ONU de Direitos Humanos, porque a Indonésia não aceita a jurisdição da Corte Mundial em caráter geral compulsório, nem faz parte de protocolos adicionais que a vinculam a qualquer jurisdição internacional, por exemplo, o protocolo opcional à Convenção de Viena de 1963 sobre Relações Consulares ou o protocolo opcional à Convenção de Direitos Humanos.

Nada obstante inexistente a via da Justiça Internacional, poderia o Brasil, invocando a proteção consular, ajuizar uma medida judicial, em defesa de seus nacionais, perante as próprias cortes indonésias, alegando infração por parte do governo da Indonésia às suas obrigações decorrentes da Convenção de Viena de 1963, já que se sabe que várias garantias consulares não foram observadas na prisão daqueles brasileiros. Ou seja, o Brasil não deveria se alongar nem no canal diplomático, nem esperar por “clemência”, e sim tentar a via jurídica doméstica da estrutura jurisdicional indonésia.

Note-se que a imunidade dos Estados é com relação às cortes dos demais Estados, e não em face de suas próprias cortes, caso em que o Brasil é que estaria, em tese, renunciando à sua própria soberania para se submeter a uma corte estrangeira como última e extrema medida.

Nessa situação de vida ou morte, além de acender uma vela para Santo Expedito, era o único caminho a trilhar, com o Brasil demandando o governo da Indonésia não com o “status” de uma soberania, mas se sujeitando ao pé de igualdade com qualquer outro cidadão da Indonésia.

Aquela era uma alternativa não ortodoxa, mas de resultados muito mais prováveis do que o acolhimento à clemência, ao menos, para se tentar suspender a execução das penas de morte.

A respeito da questão de um país renunciar à própria soberania para demandar sob as regras judiciais de outro, veja o voto do Ministro Celso de Mello, ao analisar a Reclamação 10920 do Governo do Paraguai.

O que é advocacia em Justiça Internacional

Advogado Atuante na Justiça Internacional

A especialidade e a complexidade do Direito Internacional exigem que um esclarecimento (mesmo que passageiro e despretencioso) de Justiça Internacional e da atuação da advocacia em Justiça Internacional demande algum detalhamento.

Justiça Internacional é uma especialidade processual do Direito Internacional, tanto do Direito Internacional Público (D.I.P.) quanto do Direito Internacional Privado (D.I.Pr.). Essa especialidade é adquirida através do  nível de mestrado na Universidade de Londres. No meu caso, Justiça Internacional é empregada no sentido amplo, já que Justiça Internacional no sentido estrito é uma especialidade que se cinge ao Direito Internacional Público, ou seja, aqueles litígios em que o Estado está envolvido diretamente ou tem um interesse indireto, por exemplo, disputas decorrentes de Direitos Humanos, Direito Penal Internacional, Lei do Mar, Lei Internacional dos Refugiados etc.

O conceito de Justiça Internacional no sentido estrito tem por contrapartida o conceito de Resolução de Disputas Internacionais, a qual é uma Justiça Internacional que compreende tanto os litígios de D.I.P. quanto os de D.I.Pr. Assim, as disputas que se relacionam aos direitos humanos, direito penal, lei do mar, proteção consular, proteção diplomática etc. (que envolvem o interesse do Estado), e aquelas disputas que são de interesse apenas privado (transporte internacional de mercadoria pelo mar, contratos de compra e venda internacional etc.) são abrangidas, de modo que o âmbito da Resolução de Disputas Internacionais é maior que o da Justiça Internacional estrita, justamente, porque aquela compreende as chamadas “arbitrações comerciais internacionais”.

O advogado com atuação na área da Justiça Internacional (sentido amplo) tem uma especialidade jurídica que lhe permite, portanto, agir nas questões jurídicas internacionais públicas ou privadas, prestando consultoria, assessoria e representação legal, tanto no contencioso quanto no consensual, inclusive, sustentando as causas nos tribunais internacionais intergovernamentais (tais como a Corte Internacional de Justiça, Corte Europeia de Direitos Humanos, Tribunal Internacional Penal etc.) quanto nas instituições privadas comerciais (Tribunal Arbitral da Câmara do Comércio, Corte de Londres de Arbitragem Internacional etc.). Por exemplo, na redação de um contrato de comércio exterior, o advogado especialista em Justiça Internacional está habilitado a redigir as cláusulas do contrato com especial ênfase naquelas que, eventualmente, aplicam-se no caso de disputas, por exemplo, definindo qual é o melhor país para julgamento, qual o tipo de julgamento arbitral (ad hoc ou institucional), qual a instituição mais apropriada para o contrato, como definir o acordo de arbitragem, quais serão as suas regras, qual a lei aplicável etc. Por outro lado, ao acompanhar o Governo de um país na elaboração de uma convenção bilateral ou  multilateral, regional ou global, o advogado especialista em Justiça Internacional está capacitado a orientar nas cláusulas específicas sobre resolução de disputas, por exemplo, quais as consequências de uma aceitação, como deve ser a reserva, quais condições prejudiciais podem ser consideradas etc.

Comércio Exterior e Justiça Internacional

No sentido mais amplo, na atividade de Justiça Internacional se inserem problemas de comércio exterior, já que, como prática, as disputas de comércio internacional são levadas aos tribunais arbitrais que, por sua vez, aplicam o direito internacional privado.

Ademais, por ser a advocacia de Justiça Internacional focada na prospecção de disputas, a assessoria, consultoria e aconselhamento desse profissional para o departamento de Comércio Exterior das tradings podem ser de alta valia, nomeadamente, na perspectiva de gestão de riscos.

Tal como se diz na doutrina dos acidentes (aéreos), por vezes, o gestor empresarial “acha que custa caro” a empresa “investir em segurança de voo”, até que, desafortunadamente, o transportador aéreo experimenta as “consequências de um acidente aéreo”, incomparavelmente muitíssimo mais caras que ter investido na segurança. A mesma percepção de ideia se aplica às milionárias transações internacionais.

Para efeito de ilustração, certa vez, consultado pelo Departamento de Comércio Exterior de uma dada trading sobre se “haveria algum problema em entregar cópias do BILL OF LADING, enviando-as por e-mail ao comprador”, debruçamos sobre o tema a partir de elementos relevantes: TIPO DE PAGAMENTO INTERNACIONAL, INCOTERM aplicado e PAÍS DE DESTINO da valiosíssima carga de commodities.

A partir do questionamento inicial, checamos um até então não notado grave problema, FOB desalignment with Documentary Collection, e, afinal, constatamos que a aparente inocente remessa de imagens do B/L daria quitação da carga (que estava paga em apenas 30%), visto que, no país de destino, uma nação caribenha subdesenvolvida, por conta de adesão aos termos modelares UNCITRAL, cópias de B/L constituíam quitação e imediata liberação da carga em questão de horas…

Sequestro de Filho e Justiça Internacional

O sequestro de filho será objeto de Justiça Internacional nos casos em que a posse do filho é, fraudulenta ou violentamente, arrebatada a um genitor por outro que, então, coloca-se sob um território de autoridade diferente daquele que, habitualmente, a criança sequestrada está vinculada.

O ponto que atraí o direito internacional privado é, portanto, a confluência de autoridades de soberanias diferentes.

Nada obstante, é essencial uma análise bem acurada. Por vezes, o ato de desapossamento da criança acontece e permanece em um mesmo território e, portanto, sob uma mesma soberania!

Nessa situação, evidentemente, a INTERNACIONALIDADE do acontecimento não determina a competência da Justiça Internacional. Por exemplo, suponha que a genitora guardiã brasileira, residente em São Paulo com o filho, traga a criança ou autorize a sua viagem à Espanha para visitar o genitor que residente nesse país.

Imagine-se que, então, o genitor INVERTA a natureza provisória da permanência com o filho para, então, não restituir a criança à genitora ou não permitir o retorno dela para o Brasil, que é o país de origem.

Nesse caso, embora possa ser aplicada a Convenção de 25 de Outubro de 1980 sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças, o mais apropriado é que seja forjada a solução jurídica nos moldes da legislação de Direito de Família do próprio país Ibérico, à medida que a criança, no caso da ilustração exemplificativa, está no território espanhol e no território espanhol se deu a abdução dela.

De fato, a INTERNACIONALIDADE que determina a atividade profissional da advocacia de Justiça Internacional precisa ser muito bem analisada, o que requer o conhecimento do próprio especialista de Justiça Internacional, pois a ele será mais fácil EXCLUIR a incidência do DIREITO INTERNACIONAL ou mesmo INCLUÍ-LO, dado à especialidade do tema.

 

Extraterritorialidade e Internacionalidade: Diferenças e Semelhanças

Algumas vezes, o profissional de Justiça Internacional é consultado sobre temas não de internacionalidade, mas de extraterritorialidade. A diferença é sutil e, evidentemente, o consulente não é obrigado a saber a diferença, especialmente porque o liame entre o direito internacional privado e os temas de extraterritorialidade são siameses.

O advogado de Justiça Internacional, certamente, está preparado para enfrentar o problema de extraterritorialidade, porque, na realidade, trata-se de um tema de direito processual doméstico e que, por consequência, não envolve conhecimento especial. Todavia, a questão de Justiça Internacional não poderá ser resolvida pelo advogado sem o conhecimento dessa especialização de direito internacional.

Um problema de Justiça Internacional é aquele cuja solução depende de se aplicar o direito que não é de nenhum Estado especificamente, mas supranacional.

Imagine-se que uma empresa de trading brasileira precisa saber o que fazer para interromper o curso de certas negociações, transmitindo, tecnicamente, que não deseja mais se engajar na planejada compra-e-venda internacional, digamos, de commodities, com uma contraparte dos Emirados Árabes, sem que tal desistência negocial tenha consequências jurídicas.

Nesse caso, a análise da documentação da negociação entre as tradings é de natureza internacional, e não extraterritorial, porque seus relevantes aspectos precisam ser checados, exclusivamente, sob o amparo de que lei internacional estavam as tradings negociando até então e, nenhuma sendo expressa, se há alguma norma internacional que pode ser considerada como tendo sido tacitamente aceita entre as tradings. Ainda, é necessário averiguar se, para a dada negociação que se vinha fazendo, existe algum acordo bilateral entre o Brasil e os Emirados Árabes.

Nota-se que, nesse exemplo das tradings, não se mencionam os direitos nem do Brasil, nem dos Emirados Árabes. Os direitos domésticos dos Estados não têm pertinência.

Suponha-se agora que aquela mesma trading, enquanto estava negociando com a parceira dos Emirados Árabes, precisa redigir um contrato de compra-e-venda internacional indireta (exportação indireta). Esse contrato, embora tenha efeitos extraterritoriais, está à luz do direito brasileiro apenas, de modo que o assunto recai no âmbito o direito doméstico brasileiro. A relação jurídica é entre a trading brasileira e o parceiro dela, que pode ser outra trading brasileira ou até mesmo um produtor. Então, é importante que, entre outras cautelas, tal documento seja oficialmente escrito na língua portuguesa, e não em qualquer idioma estrangeiro, notadamente, em Inglês.

O que faz um Advogado (legal adviser) de Justiça Internacional

A Justiça Internacional é uma especialidade em Direito Internacional; então, o advogado de Justiça Internacional é um profissional jurídico especialista em assuntos de interesse (ou sensíveis de política internacional) dos Estados entre si e com nacionais de outro Estado, os quais são objeto de uma pré-disputa, são potencialmente disputáveis ou já disputados nas instâncias judiciais ou arbitrais internacionais ou, finalmente, temáticas que tenham, de alguma maneira, reflexos jurídicos nas relações externas do Estado. Portanto, como qualquer outro advogado, o especialista em Justiça Internacional assessora, presta consultoria e dá aconselhando na fase não-contenciosa, sem prejuízo de atuar também no âmbito contencioso. Contudo, o advogado especialista em Justiça Internacional, diferentemente do que se vê no plano da disputa doméstica, normalmente, não representa o Estado, mesmo no contencioso; ainda que no curso do processo adjudicatório internacional, o advogado de Justiça Internacional é “visto” ou “concebido” como legal adviser.

Sendo a Justiça Internacional uma Pós-Graduação, pode ela ser cursada por qualquer graduado em nível superior. Todavia, sua utilidade profissional prática é um agregado do Bacharel em Direito mesmo que não esteja habilitado à advocacia, de acordo com as regras de seu país, que podem fazer distintas exigências (cursos, provas ou experiências práticas) para que um bacharel em Direito possa ser um Advogado.

No plano do direito internacional, de qualquer maneira, não existe exigência para que a advocacia, assessoria, consultoria e ou aconselhamento de Justiça Internacional sejam exercidos por advogado, nem por bacharel em Direito. Mesmo perante os tribunais internacionais intergovernamentais ou arbitrais. Ou seja, teoricamente, para falar legalmente por um Estado em um processo perante a Corte Internacional de Justiça, Tribunal do Mar, Corte Permanente de Arbitragem etc., o mandatário do Estado (que é chamado de legal adviser) não precisa ser advogado, nem mesmo Bacharel em Direito. Nada obstante, na prática, aquelas funções são exercidas por advogado com conhecimento de Justiça Internacional.

Tomado o termo Justiça Internacional no seu sentido estrito, o advogado de Justiça Internacional é o conselheiro legal de autoridades designadas pelo Estado, cabendo-lhe orientá-las em assuntos legais de direito internacional, desde a participação em convenções, conferências, encontros e painéis, até no processo de conhecimento e decisão de aderência a tratados ou acordos internacionais. Ainda, o advogado de Justiça Internacional presta assessoria, aconselhamento e consultoria a nível da Diplomacia ou Chancelaria do Estado, subsidiando as autoridades do Estado em termos jurídicos apenas, por exemplo, ao longo de negociações, conciliações, mediações, inquéritos ou consultas.

Em face de um conflito, ainda plano não-contencioso, a função do advogado de Justiça Internacional não é avaliar diplomaticamente o problema, mas orientar a diplomacia sobre as perspectivas e prognósticos jurídicos, positivos e ou negativos, os antecedentes (acaso existentes no direito internacional sobre o problema em tela, seja especificamente entre os Estados em questão ou outros do mesmo continente ou de outra parte qualquer do mundo). Assim, é bem delimitada a função do mandatário de Justiça Internacional, que não é habilitado a aconselhar diretamente sobre questões de cunho diplomáticos ou políticos, mas apenas jurídicos de direito internacional, especialmente, à luz de sua jurisdicionalidade, sendo que a responsabilidade pelas decisões é da autoridade do Estado (agente ou representante).

Encapsulando a atividade de Justiça Internacional pré-contencioso, essa especialidade é limitada aos aspectos muito técnicos do escopo da “jurisdição pré-mérito”, ou seja, sua concentração analítica é sob o prisma da formalidade, das objeções processuais de procedibilidade ou não, esforçando-se para dar um prognóstico de qual será a causa em concreto e qual será a sua probabilidade de transpor, ou não, o portal das preliminares e vir à luz processual de um conhecimento de mérito judicial ou arbitral. Ou seja, é um trabalho de prognóstico de justiciabilidade, o que exige que tenha um conhecimento formal do processo profundo, mas uma ciência superficial do mérito das mais diversas discussões jurídicas a nível Estado-Estado ou Estado-indivíduo. Já no contencioso, o seu trabalho será garantir que o caso não seja levado para o mérito, ou seja meritoriamente conhecido pelos adjudicadores, conforme o caso de interesse do Estado assessorado por ele, evidentemente.

A complexidade do direito internacional público exige alta especialidade, de modo que, normalmente, o advogado de Justiça Internacional trabalhará com o profissional que tem o conhecimento de mérito do conflito em causa, por exemplo, na seara do direito ambiental internacional, dos mais variados aspectos dos direitos humanos e humanitários, do direito marítimo, do comércio entre os Estados etc.

A propósito, o advogado de Justiça Internacional faz parte de uma equipe multidisciplinar, chefiada pela autoridade do Estado, onde há outros profissionais com conhecimentos especiais, tais como oceanógrafos, engenheiros agrimensores, biólogos, estatísticos etc., conforme as exigências do caso e as necessidades da causa.

Nada obstante, é possível que o profissional de Justiça Internacional seja também especialista em algum dos vários ramos da disputa de direito público.

O que é Justiça Internacional academicamente?

Justiça Internacional pode ser explicada a partir de alguns diferentes pontos-de-vista.

Academicamente, de acordo com a Universidade de Londres (U.O.L.), Justiça Internacional é uma especialização cujo objeto são aspectos da jurisdição internacional (isto é, como se resolvem disputas), tanto na área civil (ou não-penal) dos conflitos que envolvem os Estados entre si ou os Estados e os nacionais de outros Estados, além da jurisdição penal internacional.

Então, a Justiça Internacional engloba o estudo dos tribunais e das cortes intergovernamentais, judiciais ou arbitrais (Estado-Estado ou mistas).

De acordo com o programa da U.O.L, os meios diplomáticos de solução de conflitos também fazem parte do estudo da Justiça Internacional, tais como a negociação, a mediação, conciliação, inquérito e bons ofícios.

Na Universidade de Londres, a especialização em Justiça Internacional apresenta a adjudicação como um GÊNERO da solução de conflitos, de modo que a judicialização é uma espécie de adjudicação por juízes internacionais, a qual é colocada como uma espécie ao lado das adjudicações arbitrais públicas (Estado-Estado), mistas (Estado-indivíduo) e comerciais ou privadas (entre particulares), além de outros métodos de solução de disputas diferenciados, considerados não-adjudicatórios, tais como os mecanismos de compliance em convenções multilaterais de meio ambiente  (compliance mechanisms in multilateral environmental agreements) e os mecanismos de inspeção in bancos de desenvolvimento internacional (Inspection mechanisms in international development banks).