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Quando comecei o mestrado na Universidade de Londres, o meu primeiro curso foi International Courts and Tribunals, o qual é organizado em módulos que apresentam a Justiça Internacional em uma perspectiva de Direito Internacional Público, com abordagem apenas passageira ao aspecto privatístico (ou comercial) das adjudicações internacionais em que o Estado (no sentido de Soberania) não é parte da resolução de disputas.
No âmbito, portanto, da Justiça Internacional Pública, digamos assim, aquela em que o Estado é um dos disputantes e que, portanto, questões mais sérias envolvendo a paz e a segurança mundial estão em jogo, o primeiro artigo que li, e pelo qual me encantei, foi o War and International Adjudication: Reflections on the 1899 Peace Conference, da lavra de David D. Caron, escrito em 2000, e publicado por várias instituições especializadas em Direito Internacional.
O citado artigo pode ser lido na Internet, por exemplo, no AMERICAN JOURNAL OF INTERNATIONAL LAW 4-30 (2000), 27 páginas, postado em 7/10/2014.
A densa abordagem histórico-ético-jurídica de Caron, ao nos explicar aspectos intra muros da Primeira Conferência de paz de 1899, transcende o interesse daqueles que querem apenas compreender a origem moderna da Justiça Internacional, trazendo-nos uma percepção atemporal de paz no mundo como uma “teoria cada vez mais utópica” porque a guerra é a “prática cada vez mais recorrente” no planeta.
David D. Caron, infelizmente, faleceu prematuramente, aumentando a sensação de um vácuo ético-jurídico no mundo.
Certamente, Caron está ao lado de outro gigante do Direito Internacional que também já nos deixou, J.G. Merrills, autor de inúmeros trabalhos dos quais, provavelmente, o mais brilhante é seu livro International Dispute Settlement, Cambridge, sendo que, atualmente, a 6ª edição (física e digital) veio atualizada pelo professor Eric de Brabandere, professor na Universidade de Leiden, ao lado de seu filho, John Merrills. É uma obra de leitura, de releitura e de reflexão constante por sua riqueza técnica ímpar.
A propósito, em “War and International Adjudication”, a grande importância que o internacionalista atribui à ética está às portas do texto, onde Caron cita uma das mais vigorosas sínteses do Direito e da Ética, elaborada pelo diplomata e filósofo britânico Edward Hallett Carr: “(…) Mas aqui nós devemos observar a recorrência de um paradoxo… Onde a prática é menos ética a teoria se torna mais utópica”.
O conflito russo-ucraniano e a ameaça norte-americana à Venezuela são ecos da falência que foi, infelizmente, a Primeira Conferência de Paz de 1899, a Segunda Conferência de Paz de 1907, a Terceira Conferência de Paz que, por sinal, não aconteceu por causa da irrupção da Primeira Guerra Mundial de 1914/1918.
Prevendo, com certeza, essa incapacidade invencível da Justiça Internacional manter a paz ou evitar a guerra, o diplomata russo Alexander Ivanovich Nelidoff, já pouco tempo antes de morrer, no seu discurso de abertura da Segunda Conferência de Paz, causou um certo constrangimento diplomático ao se manifestar com sinceridade nada protocolar:
“(…) Não devemos desanimar de sonhar com o ideal da paz universal e da fraternidade dos povos, considerando que a condição essencial de todo o progresso é a busca de um ideal para o qual sempre nos esforçamos sem nunca alcançá-lo. No entanto, não devemos ser muito ambiciosos. (…) Vamos começar a trabalhar corajosamente, nosso caminho iluminado pela estrela brilhante da paz universal que nunca alcançaremos, mas que sempre nos guiará” – Nelidoff: Abertura da 2ª Conferência de Paz, em Haia, 1907.

