Ao algemar e acorrentar brasileiros, os Estados Unidos agiram, rigorosamente, em conformidade com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, visto que trataram os brasileiros com igualdade diante de sua própria lei. Então, aqueles brasileiros não têm do que reclamar das algemas e correntes. Data vênia, deveriam ter lhes oferecido um saco de papel para por na cabeça, escondendo-lhes o rosto.
A respeito do episódio referente a algumas dúzias de brasileiros que, em 26/1/25, desembarcaram algemados e acorrentados de uma aeronave de matrículas norte-americanas em Manaus, algumas considerações são necessárias.
Não existe no Direito Internacional um tratado ou convenção dispondo sobre como devem ser tratados repatriados. O que existem são regras de direitos humanos e de direitos humanitários sobre como as pessoas devem ser tratadas pelos Estados em geral, algumas em específico, por exemplo, durante uma guerra. Mas, especialmente, sobre como repatriar imigrantes, não há.
Há duas convenções multilaterais que abordam a questão do imigrante. A mais antiga, cuida do imigrante-refugiado (que não se aplica à situação de brasileiros em geral), a Convenção sobre Refugiados de 1951. A segunda, trata do imigrante (e sua família) sob a perspectiva do trabalho, a Convenção Internacional de 1990 sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias (pouco prestigiada, nem Brasil, nem os Estados Unidos a assinaram). Adicionalmente, há o Protocolo de 2000 contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Terra, Mar e Ar, que complementa a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado.
A migração de pessoas, qualquer que seja a razão da migração, é objeto do cuidado da Organização Internacional da Migração –International Organization of Migration (IOM), a qual pertence ao sistema da ONU.
Não é verdade que existe um protocolo, acordo, tratado, pacto entre Brasil e Estados Unidos sobre repatriação de brasileiros que imigraram ilegalmente para aquele país. Existem, ao que dizem, uma troca de mensagens diplomáticas pelas quais o Brasil autoriza o tráfego de aeronave com repatriados brasileiros dos Estados Unidos para o Brasil, às custas dos norte-americanos, embora a ilegalidade tenha sido cometida por brasileiros. Tais voos começaram em 2018, e os brasileiros sempre estiveram acorrentados. Então, nada há de novo nesse fato que não é “novidade do President Trump”. Aliás, sobre o vexame de brasileiros acorrentados por norte-americanos, a propósito, o jornal Folha de São Paulo de 16/8/88 publicou um brasileiro, em Nova Iorque, sendo encaminhado acorrentado para o consulado brasileiro (à época, localizado em plena Quinta Avenida).
Jamais seria possível uma lei de direito internacional estabelecendo que “pessoas não devem ser algemadas indiscriminadamente”. O ato de algemar diz respeito à segurança pública, a qual se presume em risco quando se trata de um indivíduo preso. Então, natural que alguém que esteja preso, isto é, privado de sua liberdade, seja algemado, pois natural que queira fugir ou praticar algum ato de auto-arrebatamento e, assim, cause danos a si, aos agentes públicos ou a terceiros. Logo, de regra, quem está preso tem que estar algemado, ainda que a prisão seja administrativa, e não penal, como é o caso daqueles brasileiros “inaugurando em grande estilo” a temporada de repatriações de 2025.
Enfim, o tipo de dispositivo de contenção de presos (algemas, correntes, enforca-gato, corda etc.) também não poderia ser objeto de uma lei de direito internacional. Se a custódia cabe ao Estado, a princípio, só ele e seus agentes podem avaliar os riscos daquela custódia.
Sem dúvida, fere os brios ver nacionais acorrentados. Porém, penso que aceitar tais correntes com dignidade seria redentor. Aqueles brasileiros são, antes de tudo, violadores de leis. Um deles afirmou que pagou R$ 170.000,00 para burlar a fronteira norte-americana. Logo, eles devem se sujeitar ao rigor da lei do país que descumpriram.
É de comum sabença que os Estados Unidos são duros com seus presos, os quais são, realmente, algemados, acorrentados e, algumas vezes, ainda são atados a uma bola de ferro no tornozelo. Não esquecer: Nos Estados Unidos, o americano que vai preso pode ser submetido a trabalhados forçados!
Ao algemar e acorrentar brasileiros, os Estados Unidos agiram, rigorosamente, em conformidade com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, visto que trataram os brasileiros com igualdade diante de sua própria lei. Então, aqueles brasileiros não têm do que reclamar das algemas e correntes. Data vênia, deveriam ter lhes oferecido um saco de papel para por na cabeça, escondendo-lhes o rosto.
Quanto às demais reclamações de desconforto térmico na aeronave, tratamento rude etc., não convém ao Governo brasileiro guindar o tema ao nível diplomático. Rebatida a natural “ladainha que todo preso faz”, até porque desconforto é inerente à perda da liberdade, será suficiente mandar a polícia federal tomar por termo as reclamações dos queixosos e, pelos canais diplomáticos, enviar para os Estados Unidos.
A propósito do assunto – presos – é pertinente lembrar que o Governo brasileiro está entre aqueles que mais descumprem os direitos humanos dos presos e administra tão mal seus presídios que ali dentro nasceram organizações criminosas.
Enfim, e por conclusão, o evento de algemagem e acorrentamento de imigrantes brasileiros ilegais, em voo dos Estados Unidos para o Brasil, a princípio, atende à necessidade de segurança de voo, não é objeto de nenhum acordo/convenção/tratado bilateral entre Brasil e Estados Unidos, nem é matéria legislada no direito internacional, não sendo apropriado ser objeto dos canais diplomáticos.
Parabéns pela abordagem. Uma excelente análise com conhecimento do assunto sobre deportaçao de imigrantes ilegais. Sem paixão, sem demagogia. Acertadamente:”o evento de algemagem e acorrentamento de imigrantes brasileiros ilegais, em voo dos Estados Unidos para o Brasil, a princípio, atende à necessidade de segurança de voo, não é objeto de nenhum acordo/convenção/tratado bilateral entre Brasil e Estados Unidos, nem é matéria legislada no direito internacional, não sendo apropriado ser objeto dos canais diplomáticos.”