O Estado

A origem e o fundamento do direito leva-nos a intrigantes discussões filosóficas, existenciais e até mesmo religiosas que se perdem em distantes brumas de um passado imemoriável, onde realidade, lenda e fé se confundem. Contudo, é necessário um ponto de apoio dogmático que sirva de alavanca para desenvolvimento de uma construção teórica do direito. Embora o ponto de partida alavancador seja sempre disputável por pressupostos lógicos movediços, toda teoria deve ser considerada válida desde que amparada pela coerência.

Assim, o ponto de partida para discussão do direito positivo é o Estado, repita-se, embora essa catapulta inicial que nos lança do passado para o presente do direito seja sempre questionável. Por exemplo, podemos citar a observação que faz BOBBIO no sentido de que o Jusnaturalismo aponta o Positivismo Jurídico como “responsável” pela “concepção estatolátrica” e seus efeitos nos regimes totalitários por dar fundamento à “obediência incondicional à lei do Estado”:

Conceito de Direito Internacional Público e Direito Internacional Privado

Posto que o Estado é o ponto de partida do Direito e, consequentemente, do Direito Internacional, o aspecto de sua economia pode ser considerado o “fundamento” ou a mola propulsora da organização do Direito Internacional, como explicam Eric A. Posner e Alan O. Sykes:

Em termos simples, o Direito Internacional é o conjunto de normas fundadas em tratados, acordos, contratos, costumes e princípios que governam a relação dos Estados Soberanos entre si e também a relação entre os seus nacionais, tendo por múltiplos objetivos a paz, o equilíbrio e o desenvolvimento das sociedades nacionais no mundo, e, consequentemente, os seus pressupostos são soberania, consentimento, extraterritorialidade e a supranationalidade. O objeto do Direito Internacional se estende a todas as áreas de interesse humano, tais como as Fronteiras, Territórios, Mar, Meio Ambiente, Comércio, Investimento, Financeiro, Direitos Humanos no mais amplo sentido, Guerra, Diplomático, Civil, Penal etc. Quando as normas internacionais se aplicam diretamente aos Governos e criam relações jurídicas diretas e exclusivas entre eles, tais normas são consideradas constituintes do Direito Internacional Público, por exemplo, as normas de direitos humanos em geral. Por outro lado, quando as normas internacionais são criadas para ordenar relações primárias entre os nacionais dos Estados em suas mais diversas dimensões, tais normas são ditas de Direito Internacional Privado. Reputamos equivocado o entendimento de que o Direito Internacional Privado é um conjunto normativo doméstico que visa a dirimir “conflito de leis”

Dicotomia: Direito Internacional Público e Privado

A dicotômica divisão do direito internacional em público e privado é controversa não só quanto à sua efetiva existência (e real necessidade/utilidade) como também quanto à sua própria origem. Porém, essa concepção dualista do Direito Internacional é difundida irreversivelmente, por mais que seja criticada.

É recomendada a leitura de KELSEN´S THEORY OF INTERNATIONAL LAW (Stern, W. B. “Kelsen’s Theory of International Law.” The American Political Science Review, vol. 30, no. 4, 1936, pp. 736–41. JSTOR, https://doi.org/10.2307/1947949. Accessed 1 July 2024), não tanto para se credenciar a visão positivista e monista de Kelsen como a mais acertada, e sim pelo valor como uma leitura introdutória filosófica do Direito Internacional e aspectos relevantes de sua concepção em face de conceitos como a SOBERANIA, o CONSENTIMENTO e a SANTIDADE DOS CONTRATOS (Pacta Sunt Servanda). Complementarmente, pode ser lido também Essential Conditions of International Justice (Kelsen, Hans, and John H. Herz. “ESSENTIAL CONDITIONS OF INTERNATIONAL JUSTICE.” Proceedings of the American Society of International Law at Its Annual Meeting (1921-1969), vol. 35, 1941, pp. 70–98. JSTOR, http://www.jstor.org/stable/25657047. Accessed 1 July 2024)

Outra recomendada leitura sobre o Direito Internacional, que serve de porta de entrada para o seu entendimento à luz das categorias Público e Privado, é  The Constitutional Structure of International Society and the Nature of Fundamental Institutions, de Christian Reus-Smit (Reus-Smit, Christian. “The Constitutional Structure of International Society and the Nature of Fundamental Institutions.” International Organization, vol. 51, no. 4, 1997, pp. 555–89. JSTOR, http://www.jstor.org/stable/2703499. Accessed 1 July 2024.)

Recomenda-se também pela simplicidade e objetividade, a leitura de International Law, de Malcolm D. Evans, Oxford University Press, disponível na rede mundial de computadores (e-book).

Ainda, é recomendada a leitura de Akehurst´s Modern Introduction to International Law, by Peter Malanczuk, seventh edition, que pode ser encontrado com facilidade na rede mundial de computadores. Trata-se de um manual com explicações objetivas e simples para consulta rápida.

Teias Normativas de Direito Internacional Público e Privado

A produção das normas públicas e privadas de direito internacional pelas diversas organizações (intergovernamentais e não-governamentais), que atuam globalmente nos mesmos setores, por exemplo, o marítimo, gera uma caótica superposição de verdadeiras teias normativas que, não raro, interpolam seus comandos legais, exigindo, por um lado, conhecimento especializado aprofundado de cada uma daquelas teias normativas e, por outro, sua concatenção com conhecimento holístico, de modo que haja uma linha de interligação traçada pela coerência finalística dos múltiplos sistemas envolvidos.

A essas complexas teias normativas se prendem uma cadeia de contratos que precisam ser alinhados entre si no desdobramento de uma cadeia econômica em cujas pontas estão economias diferentes; ao mesmo tempo, aqueles contratos precisam ser sotopostos às respectivas convenções regentes (públicas e privadas), sob pena de distorções que acarretam perdas ou danos de expressiva monta, repita-se, especialmente no Direito Comercial Internacional Marítimo, que é reverberado por tais teias. Se houvesse mesmo uma dicotomia entre as constelações internacionais de normas públicas e privadas, seria necessária uma interface entre aquelas teias normativas, o que, na realidade, não existe. Não há esse modem porque não se vê um tradutor de distintas linguagens normativas público-privadas.

Conectividade dos Sistemas Legais Domésticos e Internacional. Monismo Kelseniano e Dualismo de Heinrich Triepe

A prática do direito internacional, levantando a franja teórica da concepção dualista do direito internacional, descobre uma realidade descontínua do direito doméstico dos Estados e do direito internacional por esses mesmos Estados respeitado, criado ou reconhecido como sendo decorrente de princípios gerais do direito ou dos costumes. Da mesma forma que a sociedade se forma a partir da necessidade humana de agregação, a mesma necessidade dita a aproximação dessas mesmas sociedades quando já organizadas em um sistema nacional e jurídico próprio e soberano. Para uma leitura do fundamento econômico do direito internacional, recomenda-se: Posner, Eric A., and Alan O. Sykes. Economic Foundations of International Law. Harvard University Press, 2013. JSTOR, https://doi.org/10.2307/j.ctt2jbtsp. Accessed 2 July 2024. nem mesmo na relação delas com os também extensos, múltiplos e variados sistemas legais de quase 200 países do mundo que se relacionam diariamente!

Não é exagero imaginar-se que os sistemas legais domésticos apenas se desdobram por sobre os “muros territoriais” e, já no ambiente extraterritorial, passam a se chamar de sistema legal internacional, cuja natureza pública e privada de sua existência é, de fato, uma replicação no plano extraterritorial do que afirmou Ulpiano sobre o Direito Romano, numa perspectiva territorial do Direito só válida para uma “categorização teórica” que, se por um lado, glamouriza o Direito, por outro, acaba por confundir a sua realidade com a embaralhada que é o conceito de “interesse público” e “interesse privado”, cuja distinção é de nenhuma diferença.

No Direito Comercial Internacional se evidencia a contradição da ideia de que há uma sinapse entre os sistemas normativos nacionais e o internacional, especialmente, no plano das arbitragens internacionais que desenvolvem simbiótica aplicação do direito às disputas internacionais, levando Robert Y. Jennings à arguta avaliação de que:

“As disputas internacionais comerciais não se ajustam aos modos ortodoxos dos processos de disputa – Elas ficam com de pernas abertas com cada pé em um lado das fronteiras do direito estrangeiro e da lei doméstica, e levantam questões que não se encaixam facilmente na categoria de direito internacional privado”

Robert Y. Jennings

que que os interligaOrganizações Internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e suas diversas agências são produtoras de Direito Internacional Público e Privado, já que são organizações intergovernamentais que coexistem, na verdade, com outras entidades semelhantes e que também produzem normas internacionais.

Assim, por exemplo, enquanto a ONU produz a Convenção do Mar, que governa a relação dos Estados e seus poderes públicos sobre os mares, e sua IMO ( . Em especial, no campo do Direito Internacional Privado, a UNCITRAL – United Nations Commission on International Trade Law. Também são fontes do Direito Internacional Privado outras organizações intergovernamentais como a Conferência de Haia de Direito Internacional Privado  e o UNIDROIT (Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado). A Câmara Internacional de Comércio (organização de natureza internacional não-governamental), são fontes de direito internacional privado também. É a partir da atividade normativa de direito internacional privada de entidades semelhantes, no plano público e privado, que se pode entender de modo holístico como, na realidade, o Direito Internacional não só é uno como também, e principlamente, o Direito Internacional não é  uma realidade normativa à parte ou contraposta ao Direito Doméstico ou Municipal dos Estados), mas a projeção do Direito Nacional dos Estados, através da outorga mútua e recíproca de sua soberania, que constitui um desdobramento do próprio Direito no plano da relação entre os Estados e os seus nacionais além das barreiras territoriais.  

Uma visão filosoficamente crítica da dicotomia Direito Internacional Público/Privado: Cutler, A. Claire. “Artifice, Ideology and Paradox: The Public/Private Distinction in International Law.” Review of International Political Economy, vol. 4, no. 2, 1997, pp. 261–85. JSTOR, http://www.jstor.org/stable/4177225. Accessed 1 July 2024.

Sobre a relação entre Direito Internacional Público e Privado: Stevenson, John R. “The Relationship of Private International Law to Public International Law.” Columbia Law Review, vol. 52, no. 5, 1952, pp. 561–88. JSTOR, https://doi.org/10.2307/1118800. Accessed 1 July 2024.

Leitura que descreve o Direito Internacional Público e Privado como integrantes de uma realidade legal única (com a qual concordo):Public International Law versus Private international Law: Reconsidering the Distinction by Susan L. Karamanian (publicaciones_digital_XL_curso_derecho_internacional_2013_Susan_L_Karamanian.pdf (oas.org)

Sobre a história do Direito Internacional Privado a partir do Direito Romano: Mills A. The Private History of International Law. International and Comparative Law Quarterly. 2006;55(1):1-50. doi:10.1093/iclq/lei066

Ainda uma abordagem histórica do Direito Internacional Privado na sua suposta origem no Direito Romano:

Yntema, Hessel E. “The Historic Bases of Private International Law.” The American Journal of Comparative Law, vol. 2, no. 3, 1953, pp. 297–317. JSTOR, https://doi.org/10.2307/837480. Accessed 1 July 2024.

Uma leitura sobre a aplicação do Direito Internacional Privado pela Corte Internacional de Justiça: Erades L. Application of Private International Law by the International Court of Justice. Nederlands Tijdschrift voor Internationaal Recht. 1962;9(4):145-153. doi:10.1017/S0165070X00034938